quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Revolución

Em Kuna Yala esteve Sebastián, um jovem mexicano, mochileiro, latino-americano de alma e de estrada, cabeludo, que viajou no mesmo ônibus que o nosso da Costa Rica até a Nicarágua. Topamos com ele na aduana, quando esperávamos o motorista retornar com os nossos passaportes carimbados. Puxei conversa, ele contou que estava voltando do Panamá, onde esteve hospedado na aldeia dos índios Kuna.

Este povo é reconhecido internacionalmente, são considerados os índios mais autonômos do mundo. E esse título não veio à toa. No início do século, a partir da independência do Panamá em 1903, o território habitado pelos Kuna foi alvo de invasores que buscavam ouro, tartarugas marinhas e outras fontes de exploração. Eles também sofreram com os ataques da polícia colonial, que assassinaram muitos índios. Descontentes com esta situação, os Kuna Yala, liderados por Nele Kantule organizaram um levante em 25 de fevereiro de 1925, que ficou conhecida como a Revolução Kuna. Eles proclamaram a República de Tule, separando-se do governo central panamenho. Em seguida foi assinado um tratado de paz, em que se estabeleceu que o Governo do Panamá zelaria pelos costumes e a cultura do povo Kuna. Daí em diante os índios aceitaram negociar, concordaram com a implantação de escolas e a expulsão dos policiais do território indígena. Os prisioneiros também foram liberados. As negociações ajudaram a pôr um fim no conflito armado e foram determinantes para a preservação da cultura dos Kuna Yala. Anos depois o território indígena foi reconhecido e estabelecido como Comarca Kuna de San Blas, com seus limites definidos. Atualmente eles têm um regimento próprio, com autonomia política e administrativa. Todo ano eles se reúnem para um Congresso Geral, onde decidem as ações da comunidade.

Sebástian nos brindou com seus relatos, falou do aprendizado na aldeia, do apoio e generosidade dos índios que o abrigaram e alimentaram e o ensinaram a tecer. Quando já nos encaminhávamos para retornar ao ônibus, o motorista o convidou para falar com uns policiais e inspetores. Adentrei ao veículo, busquei meu livro de Bolaño. Tentei ler, não consegui. Fiz um carinho em minha pretinha e recostei a poltrona. Sebastián retorna em cinco minutos. Conta-nos que os inspetores e policiais suspeitaram dele somente por ser de nacionalidade mexicana. Ele fala em tom de irritação.

- Carajo! En todo lado eso. En Panamá la misma cosa. Preguntarón cuál cartel yo represento.

Que chinguada!

Penso comigo: "Até quando isso? Até quando mexicanos, bolivianos, peruanos, nigerianos, árabes, palestinos, curdos, vietnamitas, tupinambás, xucurus, sem-terra serão discriminados e amordaçados e feridos? Até quando nós, latino-americanos, africanos, asiáticos, seremos culpados pelas misérias e barbáries e crimes do mundo? Até quando a Europa vai ser o centro do planeta? Até quando os Estados Unidos da América vão sustentar a égide da liberdade e da democracia? São eles que metralham o mundo em busca de ouro, petróleo, cocaína. São eles, não todos, um grupo pequeno deles, uma confraria de ladrões e exploradores e uma renca de explorados, viciados, soldados que obedecem e se vendem a troco de dinheiro e status e sexo e drogas. A gente tem que virar esse jogo. É evidente a luta de classes. É mais que urgente, é preciso transformar o mundo e não ficar por aí divagando como pseudo-intelectual, falando de estética e se referindo a autores clássicos e contemporâneos... é preciso muito mais, sair às ruas, sentir a massa, ir com a massa, se enganar, refletir, chorar, se contaminar, ferir-se, se indignar, lutar, morrer em nome de uma causa, de um povo, de uma terra. Aqui estamos, Nicarágua, tierra libre y de justicia social. Adelante! Mi corazón llora Sandino"

Assim ganhamos a noite, eu, indiazinha e nosso amigo Sebástian. Uma chuva torrencial caía sobre Manágua. Ele não conseguiu hospedagem, o abrigamos em nosso hotel. Na manhã seguinte bem cedinho ele partiu. Rumou para uma praia com uma amiga mochileira. Nós também botamos o pé na estrada. O Sr. Marvin foi o responsável por nos guiar até León, mas antes passamos em León Viejo, a antiga cidade que foi tomada pelas larvas do vulcão Momotombo há muito tempo atrás, séculos passados. Uma imagem ficou como lembrança, de um campesino em sua terra resistindo, lutando, com o arado e a foice, os mesmos instrumentos da revolução.

Aqui compartilho com vocês:




2 comentários:

  1. Olá,
    resolvi fazer um comentário:pra (quam sabe) estimular as postagens.Dá curiosidade de saber e ver! mais.

    é isso, ana - de Porto Alegre-rs

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  2. e depois de 20 minutos, quanto tempo aguenta a barriga?..pergunta a ele isso.....grande abraço velhao..as vezes venho aqui vê como vc anda..abraço geo

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